31 de agosto de 2017

Desatino! Extra – Boletim das XXV Jornadas: Loucuras & amores na psicanálise – XXV Jornadas Clínicas da EBP-Rio e do ICP RJ



 
Atividade preparatória para as XXV Jornadas da EBP Rio e ICP-RJ sobre Loucuras e Amores na Psicanálise.

A Coordenação das Jornadas, em parceria com a Comissão Científica, coordenada por Maria Silvia Hanna, convida a todos para uma conversa com Angela Negreiros, Paula Borsoi, Romildo do Rêgo Barros e Ruth Cohen, que são os responsáveis pelos quatro eixos temáticos que irão orientar os trabalhos das mesas simultâneas. Nessa ocasião, vamos escutá-los sobre a chegada dos trabalhos e sobre os temas que serão aprofundados em cada um dos eixos.

A preparatória vai acontecer no sábado, dia 23 de setembro, às 10:30, na Seção Rio, Rua Capistrano de Abreu, nº 14.

O prazo para o envio dos trabalhos vai de 10 a 30 de setembro. Não deixe para a última hora!! Os detalhes para o envio estão no Blog das XXV Jornadas.

Andréa Reis e Angela Batista



Comentário ao texto “Palabras Preliminares” (MILLER, 2006)

Por Vanda Assumpção Almeida
     
El amor en las psicosis nos enseña sobre el amor en general… Ó será por último que, el sujeto psicótico no ama, sino su delirio, según lo expresado por Freud?…las psicosis pueden entonces enseñarnos mucho sobre esa locura común que es el amor y sobre la transferencia. (MILLER, 2006, p.11)

Darei no texto dois pontos que podem nos ajudar a pensar sobre as questões do amor. Primeiramente, o fato de que “o amor é sempre narcísico” (MILLER, 2006, p.10) e, depois, a relação de proximidade que há entre o amor e a loucura, tal qual assinalada por Miller.

No que se refere à psicose, o narcisismo se pronuncia através da erotomania, no delírio erotômano, que vem servir de defesa ao que vem do Outro, uma vez que a metáfora simbólica do Nome do Pai está foracluída. Desse modo, o que vem do campo do Outro é ameaçador para o sujeito psicótico, e seu delírio é o recurso de que dispõe para dar conta do real. Seria preciso que a castração simbólica estivesse inscrita, sendo essa a condição de possibilidade para fazer barreira ao que vem do outro real como algo ilimitado. Miller destaca que o amor na psicose, segundo Lacan, é “um amor morto” (2006, p.10), ou seja, “mais que em qualquer outra parte o sujeito só ama a si mesmo, ou um ideal pelo qual substitui a realidade do parceiro” (2006, p.11), o que nos leva a indicar que a observação de Freud quanto ao amor para o sujeito psicótico é de que “ele não ama senão o seu delírio” (2006, p.11).

Inversamente, podemos dizer que “amar é antes de tudo querer ser amado” (MILER, 2006, p.11), mesmo que seja às expensas de se fazer objeto do outro no amor. Tal fato pode nos demonstrar o que afirma Miller, que entre o amor e a loucura há um limite tênue, à diferença de que estar na posição de falo do Outro, como consequência do narcisismo, tem resultados distintos para o sujeito psicótico, como demonstrado por Freud e Lacan nos casos Schreber e Aimée.

E quanto ao amor de transferência? Trata-se de um amor que traz as marcas, o traço de um amor passado, de uma experiência vivida. Desse modo, é dessa experiência que o sujeito estabelece o laço transferencial com o outro. Será o início de um tratamento que poderá levar ao que, na psicanálise, designamos como novo amor.

E quanto à psicose, o que tem Miller a dizer? Ele traz à luz a capacidade de invenção do analista, o que implica que este possa permitir o deslocamento das insígnias significantes para que a transferência se dê e, através da sua escuta, possa recolher os detritos da língua passíveis de se tornarem novas invenções, não mais de ordem ameaçadora, mas que apontem na direção de um novo amor.

Referências
MILLER, Jacques-Alain et al. Palabras Preliminares. Em: El amor en las Psicosis. Buenos-Aires: Paidós, 2006, p. 9-12.


Psicose Ordinária: um comentário 

Por Lenita Bentes


“Posso agora refletir sobre o motivo que me levou a sentir na época a necessidade, a urgência e a utilidade de inventar este sintagma – psicose ordinária. Diria que foi para driblar a rigidez de uma clínica binária: neurose ou psicose”. (MILLER, 2008, p.402)
 
O que ganhamos com o sintagma psicose ordinária é que este traz precisão ao vasto campo da psicose, flexibilizando o binarismo neurose-psicose, sem ferir as formulações de Freud e Lacan quanto às estruturas classicamente definidas.

Entretanto, a Psicose Ordinária é uma categoria clínica lacaniana, mais precisamente recolhida de seu último ensino, a qual lança luz sobre tipos de funcionamento frequentes que muito embaraçam a clínica. Trata-se da nada rara clínica denominada por Miller como Psicose Ordinária, que não tem definição rígida, mas provoca um grande “eco clínico”.

O diagnóstico impossível de concluir encontra um campo teórico clínico espesso. A Psicose Ordinária é um “terceiro excluído” da clínica binária neurose-psicose. É uma clínica dos pequenos indícios, das nuances, das tonalidades. Contudo, mostra com clareza a compensação da foraclusão do Nome-do-Pai que Lacan enfatiza desde seu primeiro ensino.

Valho-me da escritora Clarice Lispector, numa passagem esclarecedora: “devemos ter muito cuidado quando tocamos no que nos parece ser o defeito de alguém, pois, muitas vezes, é em torno dele que ela organiza a sua vida”.

Referências
MILLER, Jacques-Alain. A psicose ordinária. Belo Horizonte: Scriptum, 2012.

Encontros na pólis

Por Roberta D’Assunção

Em sua apresentação do Centro Inter-disciplinar de Estudos sobre a Criança (Cien), Judith Miller nos convoca a pensar “em que real o discurso do mestre está confrontado no seu esforço de normatização.” (MILLER, 1998) Real que interessa ao psicanalista ouvir dos pequenos grupos que habitam essa pólis inter-galáctica atual.

Recentemente, tivemos uma conversação* no CienRio inspirada pelo testemunho vivo e corajoso do pai de um adolescente autista. A lida diária e ininterrupta com o filho, bem como a dificuldade em encontrar um lugar no sistema educativo e na cidade para os dois, foram difíceis de suportar e tiveram efeitos segregativos.

Se a lei que torna obrigatória a oferta de mediação escolar garante uma vaga para a criança no discurso pedagógico, durante a conversação percebemos que será necessário ainda um “bom encontro” para  que a criança faça parte do cotidiano escolar. Necessário mas nem sempre possível. A possibilidade surge na fala da diretora de uma escola sobre o “apaixonamento” de uma criança autista por seu colega de classe que a leva a participar das atividades e se enlaçar nas amizades. O colega foi escolhido pela criança como seu mediador, desafiando as expectativas de contratar um profissional especializado para tal.

A presença do analista no Cien introduz uma lógica não dogmática e ajuda a manter vivo o real em torno do qual esses discursos circulam, abrindo brechas para crianças, adolescentes, pais e profissionais criarem suas respostas, “pois coloca em jogo novos elementos extraídos da contingência do encontro naquela conversação.” (BARROS, 2017) O psicanalista tem como tarefa destacar os significantes emblemáticos destes encontros contingentes que os laboratórios recolheram nas ruas, Caps, abrigos, escolas, hospitais, e que produzem um caldo rico de práticas e falas inéditas na cidade.

*A conversação contou com participantes dos laboratórios do CienRio: “A criança entre a mulher e a mãe”, “Singularizar o cuidado”, “Brincante”, “Digaí-Escola”, “Infância Errante” e “Pipa-Voada”.


Referências
MILLER, Judith. Cien: Apresentação por Judith Miller. Correio. São Paulo: EBP, n. 21-22, nov.1998.

BARROS, Maria do Rosário Collier do Rêgo. A prática interdisciplinar do Cien. In: Brown, N.; Macedo, L.; Lyra, R. (Orgs.) “Trauma, solidão e laço na infância e na adolescência: experiências do Cien no Brasil”. Belo Horizonte: EBP, 2017.

29 de agosto de 2017

“No-tinc-por!” en el Paseo de Gracia / “No-tinc-por!” al Passeig de Gràcia, por Miquel Bassols

 
 
De nuevo, un alud de personas en las calles de Barcelona. Ahora es en el Paseo de Gracia, una semana después de los atentados que ensangrentaron nuestras queridas Ramblas. Ciertamente es algo que sólo puede ocurrir en las ciudades y pueblos que se hacen existir a sí mismos como un solo sujeto. Un solo sujeto, hecho de medio millón de personas, sale entonces a la calle con una sola voz gritando al mismo ritmo: “No-tinc-por!” (¡No tengo miedo!). No sabemos quién fue el que dijo primero estas palabras —era en la manifestación de políticos en la Plaza de Catalunya al día siguiente del atentado— pero son palabras que se han contagiado hasta convertirse en el eslogan de toda una población. También el Rey de las Españas se encontró gritándolas a media voz. No sabemos quién es la primera persona que las gritó pero realmente supo captar en todo un colectivo aquel mismo gesto del niño freudiano que canta en la oscuridad para apaciguar el miedo y no sentirse solo. Freud: “Cuando el caminante canta en la oscuridad, desmiente su estado de angustia, aunque no por eso vea mejor en ella”. Cuando son medio millón de caminantes gritando en la oscuridad del Paseo de Gracia, aunque sea a plena luz del día no ven mejor en ella, pero se acompañan en la angustia. Y de la angustia extraen la certeza del acto —ahora la referencia es de Lacan—, el acto que modifica al sujeto colectivo. Medio millón, pues, de solitarios ante el horror de lo real como un solo sujeto, aunque este sujeto no vea más claro ante él.

No hay que menospreciar un movimiento así, tan inevitablemente diverso en su fondo y en su superficie, cuando es una parte mayoritaria de la población. Es cierto, puede ser un movimiento arrastrado por el espejismo alienante del pueblo que se quiere “independiente, sincero y original” —la referencia es de nuevo a Lacan y su Seminario sobre “La ética del psicoanálisis”, donde habla de estos tres ideales de la época que suelen producir estragos—. Pero puede ser también el colectivo claramente decidido a pasar al acto cuando se reconoce a sí mismo como “el sujeto de lo individual” —expresión que encontramos en otro texto de Lacan sobre “El tiempo lógico”— ante una coyuntura histórica que se repite. Puede ser también el reconocimiento de un nuevo sujeto político al que será preciso dar un estado de derecho, tarde o temprano.  
Es por haberlo menospreciado que las fuerzas unionistas españolas —y todavía hay que ver unión de qué y para qué—, siempre tan pagadas de sí mismas, han hecho errores tácticos, estratégicos y políticos demasiado grandes. Y esto desde la gran manifestación de 2010 en Barcelona contra la sentencia del Tribunal Constitucional impugnando el estatuto de Catalunya, acto que precipitó todo este movimiento que ha cuajado ya en un sujeto político. La opinión internacional, este Otro sujeto que leemos en los periódicos del mundo y que sólo existe como un consenso periodístico, lo ha sabido reconocer muy pronto.

De aquí que la acusación de hacer una utilización política de la manifestación del Paseo de Gracia y del terrorismo sea absolutamente sesgada. El terrorismo es política. O, dicho en términos de Clausewitz, es la política continuada por otros medios. Es política de guerra, de exclusión radical del otro, pero es política. Y todavía más si la entendemos como una política del síntoma, del malestar surgido desde las partes más supuestamente integradas en los vínculos sociales. (Sí, Ripoll no está en Siria, está en el corazón mismo de Catalunya). Entonces, es inútil denunciar la utilización política de la manifestación del 26-A por los independentistas o por quien sea. Como escribía un tweet: la prohibición de llevar banderas independentistas era para hacer más sitio a las banderas españolas preparadas ya en cada esquina. Cuando la gente si dio cuenta, independentistas y no independentistas, obviamente, sacaron las suyas de casa.

Resulta de todo ello que las fuerzas unionistas más explícitas han reprochado enseguida al Estado español y al Gobierno de Madrid el error de haber puesto al Rey Felipe VI y a Mariano Rajoy al frente de la manifestación, aunque —buena idea— detrás de los Mossos y de otros representantes de las instituciones que han intervenido tan acertadamente para aliviar los desastres de los atentados. El abucheo monumental que han recibido el Rey y Rajoy —la vicepresidenta Soraya se la ahorró, dicen, por una indisposición a última hora que la hizo ausentarse— era más que previsible. Es cierto, era un error cantado, un error que ni el semblante de bonhomía real ni el del tancredismo de Rajoy podían justificar en nombre de una unidad que ellos mismos ya no creen ni practican. Sus rostros expresaban con claridad que no sabían muy bien qué hacían allí.
 
El Rey y el actual gobierno español, en lugar de venir a Barcelona para ser abucheados como ya sabían, podían haber contrarrestado las razones del abucheo apoyando decididamente la misma manifestación en Madrid a la que asistieron... solo un centenar de personas (según el periódico "El Mundo"). ¿Cómo entenderlo? 

Una parte importante de España, poco a poco, se ha ido así separando de Cataluña. Y de este modo, sin saberlo ni quererlo —el deseo, sin embargo, es siempre inconsciente— ha ido haciendo más consistente este nuevo sujeto político y colectivo que se llama Cataluña. Un sujeto que no sabe todavía muy bien quién es, como cada sujeto por otra parte. Habrá que saber interpretarlo, pero nunca menospreciarlo.

27 de Agosto de 2017
 

“No-tinc-por!” al Passeig de Gràcia

 

 
 
(Texto en español)

De nou, una riuada de gent als carrers de Barcelona. Ara al Passeig de Gràcia, una setmana després dels atemptats que van ensangonar les nostres estimades Rambles. Cal dir que això només pot passar a les ciutats i pobles que es fan existir a si mateixos com un sol subjecte. Un sol subjecte, fet de mig milió de persones, surt aleshores al carrer amb una sola veu cridant al mateix ritme : “No-tinc-por!”. No sabem qui és el primer que va dir aquestes paraules —era a la manifestació de polítics a la Plaça de Catalunya el dia després de l’atemptat— però són paraules que s’han contagiat fins esdevenir l’eslògan de tota una població. També el Rei de les Espanyes es va trobar cridant-les a mitja veu. No sabem qui és la primera persona que la va cridar però cal dir que va saber copsar en tot un col·lectiu aquell mateix gest del nen freudià que canta en la fosca per fer passar la por i no sentir-se sol. Freud: “Quan el caminant canta en la fosca, desmenteix el seu estat d’angoixa, encara que no per això hi vegi més clar”. Quan són mig milió de caminants cridant en la fosca del Passeig de Gràcia, encara que sigui a la llum del dia potser no hi veuen més clar, però s’acompanyen en l’angoixa. I de l’angoixa en treuen la certesa de l’acte —ara la referència és de Lacan—, l’acte que modifica el subjecte col·lectiu. Mig milió, doncs, de solitaris davant de l’horror del real com un sol subjecte, encara que aquest subjecte no hi vegi més clar.

Cal no menystenir un moviment així, tan inevitablement divers en el fons i en la superfície, quan és el d’una part tan majoritària de la població. Pot ser, és cert, un moviment emportat pel miratge alienant del poble que es vol “independent, sincer i original” —la referència és de nou a Lacan i el seu Seminari sobre “L’ètica de la psicoanàlisi” on parla d’aquests tres ideals de l’època que solen fer estralls—. Però pot ser també el col·lectiu clarament decidit a passar a l’acte quan es reconeix a si mateix como “el subjecte de l’individual” —expressió que trobem al seu text sobre “El temps lògic”— davant d’una conjuntura històrica que es repeteix. Pot ser també el reconeixement d’un nou subjecte polític al qual caldrà donar un estat de dret, tard o d’hora.

És per haver-ho menystingut que las forces unionistes —cal veure encara unió de què i per què—, sempre tan pagades d’elles mateixes, han fet errors tàctics, estratègics i polítics massa grossos. I això des de la gran manifestació a Barcelona contra la sentència del Tribunal Constitucional del 2010 impugnant l’estatut de Catalunya, acte que va precipitar tot aquest moviment que ha quallat ja en un subjecte polític. L’opinió internacional, aquest Altre subjecte que llegim als diaris del món i que només existeix per un consens periodístic, ho ha sabut reconèixer ben aviat.

D’aquí que l’acusació de fer una utilització política de la manifestació del Passeig de Gràcia i del terrorisme sigui absolutament esbiaixada. El terrorisme és política. O, dit en termes de Clausewitz, és la política continuada amb uns altres mitjans. És política de guerra, d’exclusió radical de l’altre, però és política. I més encara si l’entenem com una política del símptoma, del malestar sorgit des de les parts més suposadament integrades als lligams socials. (Sí, Ripoll no és a Síria, és al bell mig de Catalunya). Doncs, és inútil denunciar una utilització política de la manifestació del 26-A pels independentistes o per qui sigui. Com deia un tweet: la prohibició de portar-hi banderes independentistes era per fer més lloc a les banderes espanyoles preparades ja a cada cantonada. Quan la gent se’n va adonar, independentistes i no independentistes, òbviament, van treure les seves de casa.

Resulta d’això que les forces unionistes més explícites han retret de seguida a l’Estat espanyol i al Gobierno de Madrid l’error d’haver posat el Rei Felip VI i Mariano Rajoy al capdavant de la manifestació, encara que —ben pensat— darrere dels Mossos i d’altres representants de les institucions que han intervingut tan encertadament per apaivagar els desastres dels atemptats. La xiulada monumental que van rebre Rei i Rajoy —la vicepresidenta Soraya se la va estalviar, diuen, per una indisposició a darrera hora que la va fer absentar— era més que previsible. És cert, era un error cantat que ni el semblant de bonhomia reial ni el del tancredisme de Rajoy podien justificar en nom d’una unitat que ells mateixos ja no creuen ni practiquen. Els seus rostres eren, en efecte, els de qui no sap massa bé què hi fa allà.

El Rei i l'actual govern espanyol, en lloc de venir a Barcelona a ser xiulats com ja sabien, haurien pogut contrarestar les raons de la xiulada recolzant decididament la mateixa manifestació convocada a Madrid a la qual van assistir... només unes cent persones (segons el diari "El Mundo"). Com entendre-ho? 
 
Una part important d’Espanya, poc a poc, s’ha anat separant així de Catalunya. I amb això, sense saber-ho ni voler-ho —el desig, però, és sempre inconscient— ha anat fent més consistent aquest nou subjecte polític i col·lectiu que es diu Catalunya. Un subjecte que no sap encara ben bé qui és, com cada subjecte d’altra banda. Caldrà saber-lo interpretar, però mai menystenir-lo.

27 d’Agost de 2017
 
 

26 de agosto de 2017

EBP-MG: XXI Jornada - L'Incs Extraordinário



 
L'INCS EXTRORDINÁRIO: CINEMA E LIVROS SOBRE OS EIXOS!!!

EIXO 1: A REALIDADE DO INCONSCIENTE É SEXUAL
Filme :Her (Ela)
Direção: Spike Jonze - 2013.
Trailler:https://www.youtube.com/watch?v=a7psv01LXEM

"Ora, na perspectiva do gozo, a relação com o Outro aparece, pelo contrário, como problemática e como derivada. É sobre esse fundamento que se justifica a proposição: a relação sexual não existe, é a partir daí que ela se torna, de algum modo, inevitável. [...] A relação sexual não existe quer dizer que, no fundo, o gozo é idiota e solitário." (Miller, 2012, p.47)

Em um futuro não muito distante, onde a tecnologia ocupa cada vez mais espaço na cultura, assistimos ao enredo de "Her", filme que possui roteiro e direção de Spike Jonze. O filme retrata a história de Theodore, um homem que sofre com as consequências de um rompimento matrimonial bastante doloroso. Theodore trabalha na belascartasmanuscritas.com, empresa especializada no ramo de compor cartas para pessoas que terceirizaram essa função. Ele é bastante reconhecido em seu trabalho, chegando a ser qualificado por seu editor chefe como "meio homem, meio mulher", devido à sensibilidade de sua escrita.

Theodore passa grande parte de seu tempo livre sozinho, ora jogando vídeo-game, ora em chats virtuais. Pode-se dizer, até mesmo, que a solidão é algo que fisga esse personagem, tendo em vista que, nas salas de bate papo, um critério importante para a escolha de uma parceira para conversa era justamente esse: o de encontrar alguém que precise de companhia.

Preocupados com o estado de Theodore, seus amigos promovem um encontro para ele com uma mulher. Nesse encontro, Theodore deixa algo de si escapar, ao contar sobre o jogo de videogame que tem jogado: "Quero que um alienígena me ajude a achar a minha nave para eu sair do planeta e ir para casa. Mas ele é um filho da puta e eu quero matá-lo! Mas, ao mesmo tempo, eu o amo. Ele é solitário. Ele não tem pais ou alguém para cuidar dele...". Essa revelação gera em sua acompanhante uma comoção contrária ao que ele esperava, pois, ao ouvi-la, ela lhe diz: "Uau! Você é um filhotinho de cachorro!". Nada satisfeito, ele retruca: "Não quero ser um filhotinho, é um pouco patético... Eu quero ser um dragão. Posso te fazer em pedaços, mas não vou...". Não é, contudo, pela ótica de um dragão que esse sujeito vê o mundo. Ao contrário, seu posicionamento mais se parece com o de um filhotinho, como lhe foi apontado.

No futuro retratado, um software surge como a nova promessa em termos de inteligência artificial. A propaganda veiculada para esse novo sistema operacional apresenta pessoas em um deserto, desbussoladas, esbarrando umas nas outras sem qualquer tipo de conexão. Nesse contexto, o novo software é descrito como "uma entidade intuitiva que escuta você, que entende você e que te conhece".

Em sua casa, ao instalar o programa, Theodore é recepcionado por uma voz que lhe faz perguntas básicas a fim de que o funcionamento do programa esteja voltado para as suas necessidades: "Você é social ou anti-social?" "Você gostaria que o seu programa tenha uma voz feminina ou masculina?". Ao responder que preferiria que o programa tivesse uma voz feminina, surge uma última pergunta: "Como você descreveria sua relação com sua mãe?" Ele responde: "Acho que boa... O frustrante com a minha mãe é que, se eu contar o que está acontecendo comigo, a reação dela é sempre sobre ela mesma". Nesse momento, a voz do programa o interrompe e inicia a programação do que seria o sistema perfeito para aquele sujeito, talhado segundo suas necessidades.

A partir de então conhecemos Samantha, essa voz feminina que seria sua parceira "ideal", que o faria companhia, que o ajudaria em suas atividades, que se interessaria por suas piadas, que o lembraria de suas reuniões, etc. Em outras palavras, alguém feito sob medida para esse ser falante. Na perspectiva do parlêtre, o que significaria isso? É que, para viver sua ficção, o ser precisa de um parceiro, a fim de poder realizar sua fantasia. Talvez por esse motivo a parceria estabelecida com Samantha tenha funcionado tão bem e por tanto tempo durante o filme. Por mais que fosse um Sistema Operacional, junto a ela Theodore recobria algo de sua falta, o que Lacan chamou de hiância central, a ausência não se fazia presente: a parceira "sob medida" estava sempre disponível para o seu gozo. Com ela, ele se sentia como um dragão.

No entanto nem tudo são flores e, mesmo na relação com um Sistema Operacional feito sob medida, o mal-entendido fundamental da linguagem pode se fazer presente. Uma das cenas que ilustra tal questão: após um desentendimento, Samantha passou a demonstrar interesse por outros Sistemas Operacionais, não estando tão disponível quanto antes. Uma hiância é aberta, deixando sua marca naquilo que se apresentava como uma relação "perfeita".

Ainda que na era dos gadgets a promessa da felicidade seja a tônica, o mal-entendido da linguagem demonstra que não há relação. A solidão do sujeito com seu gozo, que pode ser daí deduzida, é ilustrada no filme não apenas a partir da relação que Theodore mantém com Samantha, mas igualmente na relação que outros tantos personagens desenvolvem junto a seus respectivos parceiros, Sistemas Operacionais ou humanos.

Lacan vai dizer que na "relação entre os homens e as mulheres, o que chamamos coletividade, a coisa não vai" (Lacan, 1972-1973/1985, p. 46). Essa disjunção não deixa de aludir ao que a apresentação do Eixo 1, que orienta a XXI Jornada, nos recorda, pois, "conforme Lacan, o sujeito (homem ou mulher) 'é feliz', ou seja, é-lhe dada a felicidade do bom agouro, o que não lhe evitará a servidão da singularidade do gozo que lhe deixa a não relação, que pode ser o fálico ou o não-todo fálico". Trata-se daquilo que Miller (2012) indica em Os seis paradigmas do gozo, isto é, que a não-relação sexual diz respeito à "disjunção do gozo e do Outro, disjunção do homem e da mulher" (p. 39) e o que ela evidencia é que só "há gozo" (p. 41).

Como ressalta Miller (2012): "Trata-se de redescobrir, na própria psicanálise, o que triunfa hoje no laço social, o que se chama, sem que se pense muito nisso, de individualismo moderno e que torna, de fato, problemático tudo o que é relação e comunidade, até mesmo o laço conjugal (...)" ( p. 44). Nessa direção, o filme "Her" nos convida a apreciar a solidão do modo de gozo de cada um, bem como as invenções e percalços que cada sujeito esbarra no encontro sexual.


Referências

Lacan, J. (1985). O Seminário, livro 20: mais, ainda (2a ed., M. D. Magno, trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Trabalho original proferido em 1972-1973)

Miller, J.-A. (2012). Os seis paradigmas do gozo. Opção Lacaniana online nova série, n.7. Disponível em: http://www.opcaolacaniana.com.br/nranterior/numero7/texto1.html


Michelle Santos Sena de Oliveira
Samir Tadeu Honorato Marques





EIXO 2: A DIFERENÇA SEXUAL FAZ SINTOMA HOJE?

Filme: O Império dos sentidos
Diretor: Nagisa Oshima – 1976.
Link para o trailer: https://www.youtube.com/watch?v=zt52aHulpcQ

Duas interrogações da ementa desse eixo, qual seja: "Quando cada um reivindica o direito ao gozo? Quando a sexualidade pluralizada esgarça-se até o limite da implosão?", remeteu-me a um filme: O império dos sentidos.

Lacan, em seu seminário O Sinthoma, comenta O império dos Sentidos, no capítulo "Do sentido, do sexo e do real". Quando do lançamento do filme na França, assiste-o em sessão especial, fechada, junto a convidados da sua Escola, escolhidos por ele, que imagina terem ficado tão "embasbacado" com o filme como ele próprio ficara. Espanta-se porque não espera que um filme japonês pudesse abordar o erotismo feminino da forma como o faz. Essa frase demarca a diferença dos modos eróticos entre os sexos. A partir de então, declara, com certa ironia a meu ver, ter começado a "compreender o poder das japonesas" (1975-1976/2007, p. 122). E qual seria esse, se existe um?

O filme exibe o erotismo feminino ao extremo, e esse extremo, é, para Lacan (1975-1976/2007), a fantasia, de "nem mais, nem menos, matar um homem. Mas mesmo isso não basta. (...)." (p. 122). Tem mais.

Considerado um quase pornográfico, mas filmado com um rigor cinematográfico e requinte de fotografia, é capaz de não banalizar o sexo e exibir estranha beleza. L'empire des sens, classificado como dramaerótico, é um filme franco-japonês, inspirado em um caso real que chocou o Japão em 1936, com a história de dois amantes pela busca incessante de prazer, em que o sem limite do gozo invade a atmosfera sensual. Trata-se do envolvimento de uma ex-prostituta com o dono da casa em que ela é uma criada, que se inicia com uma cena de voyeurismo dessa mulher, vendo-o pela primeira, enquanto ele transa com sua esposa. Seu olhar pousa sobre o pênis. O relacionamento é transformado em uma tórrida paixão - entre o fora de controle da loucura feminina de poder e ciúmes, e o excesso e bizarro das experiências sexuais-, na plenitude de gozo que custa a vida do protagonista masculino, através de uma passagem ao ato da mulher que, no ápice dos jogos eróticos, a asfixiofilia – asfixia erótica-, o mata e depois que corta-lhe o pênis. Na cena, uma satisfação enlouquecida produz um corte e, literalmente, ela é vista depois de passar quatro dias andando segurando o pênis do amante junto ao corpo, embrulhado em um pedaço de seda vermelho. Corta e carrega consigo o pedaço de real, envelopado?

Eis o que faz enigma para Lacan(1975-1976/2007): "É uma amante mulher, que corta o pau de seu parceiro. É assim que isso chama. Nós nos perguntamos por que ela não o cortou antes" (p. 122). Por quê o faz depois de matá-lo?

A afirmação lacaniana é de que a fantasia não é a castração, a fantasia extrema é matar e não castrar. Da pergunta freudiana sobre o que quer uma mulher, "Lacan avançou na zona em que elas querem atingir o homem e seu objeto de louco apaixonamento", comenta Laurent (em "Lacan analisante", Opção lacaniana online, n. 03). O Homem "faz amor com seu inconsciente, e nada mais", quanto ao que fantasia a mulher, pelo olhar do filme, Lacan diz ser algo que impede o encontro. Assim, a mulher japonesa do filme pode cortar e carregar, o verdadeiro objeto da sua adoração do corpo do amante, após colocar uma barra, "atravessando o grande A, essa barra que diz que não há Outro que responda como parceiro" (Lacan, 1975-1976/2007, p. 123). No império dos sentidos, a inexistência da relação sexual é revelada na exigência de atingir a plenitude e seu fim trágico, através da forma com que os parceiros, homem e mulher, lidam com o império do gozo.

Curiosidades: O filme, desde o lançamento em Cannes, fez tanto sucesso, quanto causou escândalo, no Brasil foi censurado por 04 anos, e depois passou a ser o primeiro filme liberado em salas comerciais, para maiores de 18 anos, com cenas de sexo explícito. 

Cristiane Barreto
(Membro AMP/EBP-MG)





EIXO 3: PSICOSE, ENIGMA E SEXUALIDADE

Filme : A Garota Dinamarquesa - (The Danish Girl).
Direção: Tom Hooper – 2016.
Link para o trailer: https://www.youtube.com/watch?v=vjq2FgjpXow

"Todo o ser humano é um estranho ímpar". Carlos Drummond de Andrade (última frase do poema Igual-Desigual, em A Paixão Medida)

A Garota Dinamarquesa é um filme de delicadeza brutal! O filme, a partir de um romance homônimo, é baseado na história da pintora dinamarquesa trans, Lili Elbe (1882-1931), das primeiras pessoas a se submeter à cirurgia de mudança de sexo. Lili foi o pintor bem sucedido, Einar Wegener, que submeteu-se ao procedimento considerado "primitivo" em 1930: "a ciência não estava preparada para casos como o de Lili". As três primeiras cirurgias às quais se submeteu foram bem sucedidas, contudo, um "mais, ainda" em se fazer mulher se impõe: decide-se pela quarta cirurgia em dois anos, um transplante de útero, pois queria ter filhos, que termina em óbito. No filme, contudo, a cena da morte, da frágil e decidida Lili, acontece no período inicial da recuperação da cirurgia para mudança de sexo.

Película é também pele fina, membrana que reveste os órgãos do corpo, e o filme parece revestido por algo dessa espessura, delgada e quase transparente, tão delicada e frágil como a personagem que deslinda-se em tela. O filme mostra o desenrolar desencadeado por uma contingência, uma experiência de gozo.: o tecido do vestido toca a pele de Einar, que faz posse feminina para que sua mulher retrate o corpo de uma mulher, em uma tela inacabada. Toque de seda suficiente para que ele, ao final do ensaio, que a partir da insistência da mulher substitui uma modelo que se ausentou, faz vir à flor da pele a dúvida de que, talvez, não seja um homem. Dúvida que desvela uma certeza vivenciada no real do corpo.

O casal belo, jovem e boêmio, diverte-se nos bailes de seu tempo, eventos sociais glamourosos, em que Einar fingi ser Lili, uma prima estrangeira da mulher –ficção que engendrou quando posava para a esposa. Do inominável do gozo surge Lili, um nome que ele passa a habitar. Esse nome aparece aqui, como Freud se refere ao nomes, convocando uma frase de Goethe, em A Interpretação dos Sonhos (vol. 4, p. 220): "parece termos crescido para dentro deles como a nossa própria pele." Em um movimento crescente dramático, percebe que é o oposto que o guia: Lili é mais verdadeira que o personagem que viveu até ali. Mesmo a sua arte passa a não importar, não é mais uma solução para o sujeito, pois Lili passa a ser sua obra, definitiva e em construção. O trama subjetivo e o consequente desenlace sintomático do casal ganha corpo. Lili é sua obra prima – obra-mestra -, do pintor Einar que faz do seu corpo tela, e se perde, morre imerso a um gozo opaco do que faz nascer.

Lili percorre uma particular aventura no mundo, em busca da completude entre a imagem do corpo e seu ser de gozo; casa-se com um homem, quer ter filhos. Gerda, artista a frente do seu tempo, apoia essa transformação, mesmo dilacerada pela perda, segue com suas pinturas eróticas, de mulheres nuas em cenas masturbatórias, e pintando retratos de Lili pelo resto da vida. Na vida real, vive o declínio da sua pintura que perde vivacidade com a morte de Lili; alcóolatra, com a carreira obsoleta, separada do segundo marido. A devastação vivida por essa mulher, contudo, não é incluída no roteiro do filme, que opta por terminar com uma imagem mostrando, em outra direção, a fluidez do echarpe de Lili, que enlaçava o pescoço de Gerda, soltando-se e voando numa dança pela paisagem vasta da infância de Lili.

No filme, antes de morrer, Lili relata à Gerda, um sonho, carregado de nostálgica melancolia e lindo, que aponta o endereço de Lili e sua interpretação do desejo materno – remete ao enigma insondável ou à inexistência do desejo materno que diferenciaria seu sexo-, e faz surgir no olhar e na voz da mãe a nomeação que a acalenta: "ontem a noite eu tive o sonho mais lindo, eu sonhei que eu era um bebê, nos braços da minha mãe, ela olhou para mim e me chamou de Lili." Nasceu assim, já prestes a morrer, na realização do desejo do sonho: Lili – A garota dinamarquesa-, um dos nomes do empuxo À mulher?

Curiosidades: A Dinamarca, dos países mais progressistas do mundo, foi o primeiro país a legalizar a pornografia, em 1969, e a introduzir o casamento igualitário (entre pessoas do mesmo sexo), em 1989.


Cristiane Barreto
(Membro AMP/EBP-MG)





Eixo 04: LIGAÇÕES INCONSCIENTES – QUAL O LUGAR PARA O AMOR ?

Filme: Amor (Amour)
Direção:Michael Haneke - 2012.
Link para o trailer: https://www.youtube.com/watch?v=bOAvhM7HAnk

O cinema propicia que roteiros subjetivos, comparados ao desenrolar das imagens nos sonhos e à exuberância tortuosas das fantasias, as mais íntimas, sejam partilhados. A captura do olhar através da tela, se dá como a que ocorre frente a uma pintura, com a diferença de que é quadro em movimento, tem voz e contém silêncio. Um filme pode ser visto a dois, com direito a pipoca, em meio a rotinas interrompidas ou complacentes domingos, mas é também exemplo da impossibilidade de dois fazerem Um: assiste-se a um filme sempre em solidão. Trilha, luz, direção em que cada vidente pode ver passar, na tela, nuances da sua própria fantasia, ou traços do seu gozo.
 
Dirigido pelo Austríaco Michael Haneke, e estrelado por ícones do cinema francês – Emmanuelle Riva, 85 anos, e Jean-Louis Trintignant, 81 anos, que protagonizam um casal de professores de música aposentados.Amour é daqueles filmes inigualáveis para abordar uma relação amorosa que não se abala com as cicatrizes do tempo, a deterioração dos corpos e a proximidade da morte. Ganhador, dentre outros inúmeros prêmios, da Palma de Outro em 2012 e do Oscar de melhor diretor de 2013, conta a história de um casal que envelhece em um drama comovente, em cenas que conjugam requinte e crueza da construção a dois. O filme impõe um ritmo lento, da mobilidade que tipifica a velhice, vivenciados pela personagem da esposa que pouco a pouco experimenta a degradação da sua capacidade física após sofrer um enfarte, e pelos sentimentos do marido que se dedica a ela, fazendo do cuidar um imperativo. Isolados, e unidos pelo amor. A doença exacerba o sofrimento, e ele acaba sufocando a parceira da vida inteira com um travesseiro. Assistir este filme é, frente ao seu irremediável final, indagar-se sobre o que perdura das ligações inconscientes nos destinos de um amor solidificado pela vida inteira, na época em que prevalece os amores líquidos.

Cristiane Barreto
(Membro AMP/EBP-MG)





 
EIXO 5: O INCONSCIENTE É A POLÍTICA
Filme : A Onda (Die Welle)
Direção: Dennis Gansel - 2008.
Link para o trailler: https://www.youtube.com/watch?v=brnEKSEvtZg


"Contra o que podemos nos revoltar hoje em dia? Todos procuram por uma grande causa, uma ideia, e quando ela surgir… Todos irão se unir!"


Baseado em um evento real, ocorrido em 1967, numa escola em Palo Alto na Califórnia (EUA), o filme A Onda, retrata os mecanismos de identificação presentes nas formações de grupos e também seus efeitos de segregação. Tudo se passa em uma escola de ensino médio, na qual são ofertadas duas disciplinas eletivas: anarquia e autocracia. O professor Rainer Wanger é escalado para dar aulas sobre autocracia, contra sua vontade. Os adolescentes, em busca de algo para fundamentar sua oposição às normas sociais, se interessam pela disciplina de anarquia, porém por ser ministrada por um professor conservador, decidem pela disciplina de autocracia, ministrada pelo jovem professor Wanger.

Para ensiná-los sobre esse regime, Wanger propõe que construam um governo autocrático em sala de aula. Os alunos se empolgam com a ideia, criam uniformes, saudações, e nomeiam o movimento "A Onda". As condições de nascimento de um regime autocrático são descritas pelos alunos: ideologia do grupo, mecanismos de controle e vigilância, insatisfação popular, injustiça social, necessidade de uma figura de liderança, e, é claro, a implementação de uma "disciplina".

Em busca da igualdade, são propostas ordens com base em uma "média": o lugar dos alunos será decidido pelas suas notas, o aluno com notas mais baixas sentará ao lado do aluno com notas mais altas. As garantias da unidade do grupo são a igualdade e a uniformidade! A experiência caminha a partir do apagamento das diferenças ao impor um modo de gozo único, localizando os corpos no laço social pelo ideal do "poder e disciplina". O grupo passa a proteger seus membros, acolher novos interessados, desenvolve saudações, uma marca, um modo único de vestir. A segregação logo vem à tona, trazendo consigo uma onda de violência que não se deteve aos muros da sala de aula, tomando a cidade e deixando sua marca vermelha por onde o grupo passava. A onda se alastrou e ao contrário do que o professor previu, fugiu ao seu controle, fazendo do encontro com a diferença um choque. Brigas violentas entre grupos, ameaças e coação figuram como os desdobramentos desse modo reducionista e perigoso de tratar o real da adolescência. "A Onda é minha vida", diz o adolescente Tim quando o professor tenta pôr fim ao movimento.

O mecanismo de formação de grupos está no cerne do social, o que se evidencia principalmente na lógica das identificações na adolescência. Assim como Freud trabalhou em Psicologia das massas e análise do eu, o inconsciente tem relações com a organização social governada por um ideal que serviria como uma espécie de regulador de gozo, inscrevendo uma perda necessária à vida em sociedade. Na contemporaneidade, estamos diante da destituição dos grandes ideais, que outrora também fracassaram na garantia do bem comum. Sem a consistência de um Outro cultural, político ou religioso para constituir contornos simbólicos, somos convocados a gozar cada um por si.

O discurso do mestre moderno, científico e capitalista, propõe novos ideais baseados em um saber proveniente dos objetos, os gadgets. A aspiração igualitária é apropriada pelo discurso capitalista ao tentar extinguir as diferenças, homogeneizar os corpos e os gozos, culminando no sujeito consumidor. O consumidor se torna, assim, a fundação precária sobre a qual se erigem os modos de gozo que, ainda que assumam formas diversas e pulverizadas, realçando diferenças, permanecem na direção de apagá-las. E é justamente na adolescência, quando o real do sexo convoca o sujeito a se posicionar a partir de sua diferença no mundo, que os apelos do consumo e do imperativo do mais gozar se tornam mais atraentes, esculpindo respostas prêt-à-porter,como vimos no filme.

A Onda, assim, nos coloca de frente para a torção que o discurso capitalista realiza no ideal igualitário, ao desenhar o laço social projetando-o em uma unidade onde prevalece Um modo de gozo tirânico e maciço, do qual cada sujeito fará sua apropriação. Quando o professor Wanger questiona os alunos sobre a possibilidade da existência de uma nova ditadura na Alemanha e eles respondem: "de forma alguma. Já superamos isso. Somos educados demais", rapidamente verificamos o contrário.

O racismo permanece no discurso contemporâneo, ainda que com novas vestimentas. Deparamo-nos cotidianamente com uma intolerância crescente à diferença, onde as ideias que poderiam nos vestir como referências simbólicas quase artesanalmente tecidas, são vendidas pelo mercado e pela mídia como modo de gozo, dando origem às diversas modas tão disseminadas nas redes. Logo, ao mesmo tempo em que é mais possível encontrar um lugar no mundo nas variadas ondas que se propagam, é preciso estarmos atentos à segregação para produzir matizes que possibilitem um mundo onde possamos viver juntos.
 
Michelle Santos Sena de Oliveira
Lisley Braun Toniolo





Referências Bibliográficas Comentada para a XXI Jornada da EBP-MG [27.7.17]
 
Eixo 1:


-. LACAN, Jacques. Introdução à edição alemã de um primeiro volume dos Escritos. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003

O gozo sexual no trabalho de ciframento do inconsciente faz obstáculo à relação sexual, no sentido de que ela não se escreve. Como afirma Lacan, "a linguagem jamais deixa dela (relação sexual) outro vestígio senão a de uma chicana infinita".


-. LACAN, Jacques. A significação do falo. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998

Lacan logo no início do texto faz da castração um ponto nodal do inconsciente. Como não é possível ao ser falante ser homem ou mulher no sentido biológico devido à captura do corpo pelo significante, só lhe resta como solução parecer homem ou mulher, sendo o falo uma peça-chave nisso.


-. MILLER, Jacques-Alain. Uma partilha sexual. In Clique, Revista dos Institutos Brasileiros de Psicanálise do Campo Freudiano. O sexo e seus furos, n. 2, agosto/2003, Belo Horizonte.

Nesse texto Miller especifica a diferença entre o gozo fálico e o gozo não-todo fálico. A diferença sexual vista pela perspectiva da partilha dos gozos.


-. BRODSKY, Graciela. A escolha do sexo. In Clique, Revista dos Institutos Brasileiros de Psicanálise do Campo Freudiano. O sexo e seus furos, n. 2, agosto/2003, Belo Horizonte.

Nesse texto, Graciela Brodsky trabalha os elementos que determinam a inscrição de cada um na sexuação. A autora afirma que a sexuação é um assunto do corpo, no sentido que "é o encontro do corpo com o significante fálico".


-. TARRAB, Maurício. Inconsciente Real. In: MACHADO, Ondina; RIBEIRO, Vera Avelar (org.). Scilicet, Um real para o século XXI. Belo Horizonte: Scriptum, 2014


Esse texto trabalha as duas noções de inconsciente, uma enquanto Outra cena fundamentada pelo Nome do Pai e pelo sentido sexual e a outra ao inconsciente ligado à contingência do encontro de alíngua com o corpo.


Eixo 2:


-. Ansermet, F. Elegir el propio sexo: Usos contemporáneos de la diferencia sexual. In: Virtualia, n.29 (Revista digital de la Eol). http://www.revistavirtualia.com


Por meio do relato de algumas vinhetas clínicas, o autor discute as diversas possibilidades de respostas subjetivas frente ao encontro com a diferença sexual. Em alguns casos estamos diante de uma certeza absoluta quanto ao sexo, o que nos permite descartar a problemática da escolha, claramente marcada pelo enigma, pela dúvida e pelo conflito inconsciente.


-. FALBO,Gisele. Sexualidade, Gênero e corpo. IN: Opção Lacaniana Online. Ano7.N.20 julho 2016.
O artigo estabelece algumas reflexões de Lacan e Freud sobre os problemas postos pela diferença sexual, bem como a sexuação em sua relação com o corpo, situando o lugar do corpo na incidência da diferença sexua e indicando sua articulação com o gozo.


-. SANTOS, T.C. ZUCCHI, M. A ex-sistência do real, a diferença sexual e a dissimetria dos gozos. IN: Latusa Digital. Ano3. N.22 maio2006

O presente artigo aborda a partir da diferença sexual e do gozo as perspectivas do sintoma. Primeira como mensagem escrita no fantasma, permitindo o sujeito reencontrar sua própria posição de gozo, e também como uma resposta real à inexistência da relação sexual.


-. Zucchi, M.A. O real do sexo e o inconsciente nos sintomas contemporâneos - (Revista Asephallus. N.4)


A autora explora a relação entre os novos sintomas e o Inconsciente Real, tal como desenvolvido por Lacan em seu último ensino. Pergunta-se sobre os efeitos sintomáticos na vida sexual de alguns sujeitos que, diante do impossível da relação sexual, não podem contar com a mediação da ordem fálica para se enlaçar ao Outro sexo. Destaca, nesse sentido, uma posição de recuo, indiferença e alijamento em relação ao corpo sexuado, enquanto solução possível em alguns casos.


Eixo 3:


-. ANDRE, S. O que quer uma mulher? Rio de Janeiro: Zahar, 1991.

Partindo de um órgão do corpo, Fliess, médico e interlocutor de Freud nos primórdios da psicanálise, construiu uma teoria universal sobre o feminino e a diferença sexual. Tendo o nariz e os fluidos do corpo como fundamento, ele criou uma metáfora delirante do falo, fundando uma construção paranóica da relação sexual.


-. BORIE, JACQUES. Uma version de la vida sexual sin el falo. In: El Amor en las psicosis. Dirigido por Jacques-Alain Miller. Buenos Aires: Paidós, 2008.


O autor aborda a importância, no tratamento de uma jovem psicótica, da invenção de um dispositivo produzido por ela a partir de seu poder criativo que lhe permite ocupar o lugar de objeto do gozo sexual de seu parceiro, sem que isso lhe retorne como um sacrifício mortífero ao gozo do Outro.


-. GUÉGUEN, P.G. Una decepción precoz. In: El Amor en las psicosis. Dirigido por Jacques-Alain Miller. Buenos Aires: Paidós, 2008.


Trata-se do relato do tratamento de uma criança psicótica no qual o autor privilegia a sua leitura sobre o lugar do analista, especialmente, no que diz respeito à maneira pela qual uma criança pode se ver frente "a necessidade de dar a sua posição de gozo na transferência". Para Guéguen, o amor que ai se instaura é marcado por um matiz erotomaníaco desta menina que busca encontrar no Outro os signos do amor, ainda que, nesse caso, estes signos não lhe retornem como um gozo ameaçador.


-. GUEY, N. Una Logica del Celibato. In: El Amor en las psicosis. Dirigido por Jacques-Alain Miller. Buenos Aires: Paidós, 2008


O caso apresentado e discutido na conversação que se segue, aborda a questão do encontro amoroso na psicose. O encontro com o Outro sexo constitui para o sujeito um enigma e ele busca a análise visando resolvê-lo. Ao tomar a palavra, produz uma primeira tentativa de resposta, mediante uma solução delirante.


-. LAURENT, È. Vigencia de três exigencias deducidas de las enseñanzas de Lacan acerca de las psicosis. In: Estabilizaciones em las psicosis. Buenos Aires: Manantial, 1991

Laurent chama a atenção para a erotomania de transferência no tratamento das psicoses como resultado da articulação entre o amor e um gozo que transborda e que pode ser localizado no analista.


Eixo 4:


-. ALVARENGA, Elisa. O maior amor do mundo. In: Opção Lacaniana Online. n.4. Abril 2007
Elisa Alvarenga, destaca como pode um sujeito se desembrulhar com o aquém do ideal. Só a partir da entrada em cena da causa do desejo foi possível para Antônio, personagem destacado por Elisa, inscrever-se no campo do desejo e encontrar para si um pai. Toca-se, ali, no absolutamente só de Antônio, que instaura a possibilidade de uma vida, mesmo que num átimo.


-. GORSKI, Glacy Gonzales. Erotomania: Uma forma de amar. Opção Lacaniana Impressa. N.48. Março 2007.

O conceito de erotomania é parte do legado da clínica psiquiátrica e nesse campo foi utilizado especificamente para referir-se à existência desse fenômeno na psicose. Lacan, no entanto, lança mão desse conceito para aprofundar as reflexões de Freud sobre o modo masculino e feminino de amar.


-. LAURENT, Eric. A disparidade no amor. In: Curinga n.24 – Os nomes do amor. Junho 2007.


Éric Laurent localiza em algumas histórias literárias a dissimetria existente entre a maneira como as mulheres e os homens falam do amor. Ao passo que o homem se orienta no amor pela fantasia, há uma literatura que situa o feminino valendo-se da experiência mítica.


-. MILLER, Jacques-Alain. Uma Conversa sobre o amor. In: Opção Lacaniana Online. Ano1. n.2 Julho 2010.

O tema do amor é princeps para a psicanálise, tanto porque nela se trata do amor como se trata pelo amor. Em "Uma conversa sobre o amor", o autor nos presenteia com um comentário vivo e atual das contribuições de Freud à vida amorosa.


-. SANTIAGO, Jésus. O engodo viril. In: opção Lacaniana impressa. n.68/69. Dezembro 2014.

No que tange ao "amor possível", Jésus Santigo demonstra neste testemunho, como na abertura ao não todo feminino, no seu caso, o viril deixa de ser uma defesa contra as repercussões do feminino e, sobretudo, de se tornar o lado avesso do feminino. Essa abertura, segundo ele, revela-se distinta do efeito feminizante gerado pelo gozo sacrificial da fantasia, levando-o a concluir que no final de sua análise, o que conta é a resposta amorosa, contingencialmente, que se apresenta como separada do engodo viril.


Eixo 5:

-. Aguiar, A. (2006) "O Outro que não existe, existe? (a psiquiatria, a psicanálise e o declínio do pai)". Latusa Digital, ano 3, Nº 25. Disponível em: http://www.latusa.com.br/pdf_latusa_digital_25_a1.pdf

Parte-se da afirmação de Miller de que a psicanálise mudou o mundo. Não o fez por meio de uma influência direta sobre a política propriamente dita (partidos, sindicatos, etc.), mas pela via de uma transformação dos costumes e dos valores morais. Algo do recalque foi levantado em escala social. A apropriação que o capitalismo fará dessa "liberação", para fazer dela uma biopolítica, é algo que deve nos interessar se quisermos compreender os dias de hoje.


-. Brousse, M-H. (2003) O inconsciente é a política. São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise.

A autora desdobra o sintagma "o inconsciente é a política" a partir da ideia de que o inconsciente tem a ver com o laço social justamente porque não existe relação sexual. Se inicialmente, para Lacan, o inconsciente se produz na relação do sujeito com o Outro, ao final de seu ensino, se produzirá no encontro do sujeito com o Outro sexo.



-. Laurent, É. (2016) O avesso da biopolítica. Uma escrita para o gozo. Rio de Janeiro: Contra Capa.

Laurent percorre o último ensino de Lacan e se vale do horizonte indicado por Jacques -Alain Miller acerca do empenho lacaniano em substituir o inconsciente freudiano por um novo termo, o falasser, para dar corpo ao que se revela no avesso da biopolítica.



-. Macêdo, L. F. (2014) "Notas sobre a biopolítica e política da psicanálise". Disponível em: https://blogdasubversos.wordpress.com/2014/06/22/notas-sobre-biopolitica-e-politica-da-psicanalise-1/

Com a banalização do espetáculo sexual estamos em outro regime da sexualidade, e quanto a isso, o aparelho conceitual freudiano, fundado no interdito, no recalque, na repressão, e na falta, permanece alinhado com a época disciplinar. No mundo globalizado, a função do pai, ligada à estrutura do todo, que Lacan reconheceu na sexualidade masculina, cedeu àquela do não-todo, que reporta à sexuação feminina, e não há mais nada que esteja em posição de interdito.



-. Miller, J-A. (2011). Intuições milanesas I. Opção Lacaniana online nova série, ano 2, n. 5. Disponível em:http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_5/Intui%C3%A7%C3%B5es_milanesas.pdf

Tomando como ponto de partida uma proposição de Lacan retirada do seu Seminário A lógica da fantasia -"Não digo 'a política é o inconsciente', mas simplesmente 'o inconsciente é a política'"-, Miller propõe uma série de reflexões, em que trabalha conceitos como o inconsciente, a política, a cidade, o gozo.



-. Miller, J-A. (2004). "Lacan e a política." Opção lacaniana 40.

Evocando Freud e Lacan, Miller comenta o impacto e os avanços de suas formulações extremamente atuais, no que concerne às questões da contemporaneidade, e particularmente àquelas relativas ao gozo.


-. Rennó Lima, C. (2014) "O inconsciente é a política." Disponível em: http://clinicalacaniana.blogspot.com.br/2014/05/o-inconsciente-e-politica.html

Como a globalização colocou em questão as hierarquias e a tradição em nome do sempre novo, a psicanálise, com Lacan, pode restabelecer uma nova lógica, a partir mesmo da questão do feminino e inverteu o clássico: "não havendo exceção não há todo", para estabelecer que "não havendo exceção há o não-todo".